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Na testa ou na cabeça?

02/03/2022    


Ontem à noite recebi a ligação de um amigo com o qual partilhei que, depois de 18 anos de ordenado presbítero, por causa da minha condição de monge, presidiria o rito das cinzas, nessa quarta-feira, pela segunda vez. Imediatamente ele me lançou a pergunta: “Dom, o sinal das cinzas é colocado na fronte ou na cabeça?” De fato, uma pesquisa rápida no Google, nos mostra ambas as formas. Mas, para se evitar qualquer distorção “ideológica” ou “romântica”, pergunta-se, não ao liturgista, mas ao rito, que tem autoridade máxima em matéria, como ensina a Igreja (cf. SC 48).

Um pouco, mas muito pouco, de história

O uso das cinzas para indicar penitência não é puramente cristão. Era muito usado na Antiguidade por pagãos e judeus. Na cultura bíblica ele aparece com uma multiplicidade de significados1
. As primeiras comunidades cristãs acolheram esse gesto como símbolo da transitoriedade da vida humana e tomaram-no indicador de um propósito de conversão no itinerário da fé. Testemunham-no os mais antigos escritores cristãos, como, por exemplo, Tertuliano (c. † 220), Cipriano de Cartago († 285), Eusébio de Cesaréia († 339), Ambrósio de Milão († 397), Jerônimo († 420), Agostinho († 430) etc.

Originalmente usado somente para com os membros da Igreja que, tendo cometido pecados graves (fratricídio, adultério ou apostasia), arrependidos e confessados, pediam para voltar à comunhão eclesial. Esse sistema (ordo pœnitentium) foi chamado de penitência canônica ou pública. Muito cedo a Igreja fez coincidir o início dessa formade penitência com o começo da Quaresma, fixando a sua data para a quarta-feira antes do I domingo do Tempo Quaresmal, em vista da absolvição (pública) dos pecadores na quinta-feira santa pela manhã para que eles pudessem comer a Páscoa. Assim nasceu a nossa quarta-feira de cinzas. Em 1091, sob o pontificado do papa Urbano II († 1099), o rito foi estendido a todos os cristãos, clérigos e leigos. As cinzas eram espalhadas sobre a cabeça dos homens e às mulheres era feito uma cruz sobre a fronte, por causa de sua cabeça velada. Nos livros litúrgicos, a denominação Quarta-feira de Cinzas, só  pareceu no séc. XV, com o Missal impresso de 1474.

Demos a voz ao Rito

O rito da bênção das cinzas, que acontece depois da homilia, tanto quando se celebra a missa, quanto se celebra a liturgia da Palavra, começa com uma introdução e “é encerrado com a oração dos fieis” (cf. MR p. 175-177).

 

A Introdução:

MR ed. Typ. latina (1970/1975/2008/2008)

Deum Patrem, fratres caríssimi, supplíciter deprecémur, ut hos cíneres, quos pæniténtiæ causa capítibus nostris impónimus, ubertáte grátiæ suæ benedícere dignétur.

MRport. (1973/1991)

Caros irmãos e irmãs, roguemos instantemente a Deus Pai que abençoe com a riqueza da sua graça estas cinzas que vamos colocar sobre as nossas cabeças em sinal de penitência.

 

A segunda oração de bênção das cinzas, que se faz “após um instante de silêncio”:

MR ed. typ. latina (1970/1975/2008/2008)

Deus, qui non mortem sed conversiónem desíderas peccatórum, preces nostras cleménter exáudi, et hos cíneres, quos capítibus nostris impóni decérnimus benedícere pro tua pietáte dignáre, etc.

MRport. (1973/1991)

Ó Deus, que não quereis a morte do pecador, mas a sua conversão, escutai com bondade as nossas preces e dignai-vos abençoar estas cinzas, que vamos colocar sobre as nossas cabeças. Etc.

 

Conclusão

A imposição das cinzas se faz pulverizando a cabeça dos fieis que se aproximam processionalmente e se apresentam ao presidente “cum capite inclinatus”, e não assinalando as frontes com uma cruz. Esse último gesto é episcopal, usado na celebração do sacramento da Confirmação com o óleo santo do Crisma. Obviamente, essa é uma resposta “histórico-ritual”, precisa-se aprofundar as razões bíblicas, antropológicas e teológicas, pelas quais a Igreja manteve, ritualmente, essa forma, para se evitar a doença degenerativa do rubricismo.

1Indica tudo o que é passageiro (Jó 13, 12), sem valor (Gn 18,27; Is 44,20), sinal de luto e arrependimento (2Sm 13,19; Is 61,3; Mt 11,21) e de purificação (Nm 19; Hb9,13).

 

Dom Jerônimo Pereira, osb
02.03.2022 – Feria IV cinerum, caput Quadragesimæ, caput ieiunii

 

Aprofundar?

A celebração na Igreja, vol. 3: Ritmos e tempos da celebração, ed. D. Borobio, Loyola, São Paulo 2000, p. 148-149.

M. AUGÉ, Ano litúrgico. É o próprio Cristo presente na sua igreja, Paulinas, São Paulo 2019, pp. 155-159.

A. ADAM, O ano litúrgico. Sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica, Loyola, São Paulo 2019, pp. 72-73

 

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Sobre o autor

Mãe da Igreja

No dia 25 de dezembro de 1966, nós da Estiva e bairros adjacentes recebemos a feliz notícia, do então Bispo Diocesano da Diocese de Taubaté Dom Francisco Borja do Amaral, do Decreto da Criação de três novas paróquias: a Paróquia São José Operário; Paróquia Menino Jesus e a nossa querida Paróquia Nossa Senhora Mãe da Igreja. Foi a realização de um grande sonho, que se viu concretizado no dia 12 de fevereiro de 1967, numa grande Cerimônia na Antiga Igreja de Santa Cruz, com a Posse do Primeiro Pároco, o Pe. Benedito Gil Claro. A partir do ano 1977, a Paróquia passou a ser atendida integramente pela "Congregação dos Padres do Sagrado Coração de Jesus - SCJ", conhecidos como "Padres Dehonianos". Atualmente, a Paróquia Nossa Senhora Mãe da Igreja é constituída pelas comunidades Santa Cruz, Santuário São Benedito (atual Matriz), Santa Fé, Menino Jesus de Praga, Santa Isabel de Portugal, São Geraldo Majela, São João Evangelista, Cristo Rei e São José (as quatro últimas nasceram com as Missões, ou Pós-Missões).